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Voando Baixo: “Neguinho é o c…, é Sir Lewis Hamilton!”

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Sem dúvidas, a terça-feira no mundo do automobilismo foi marcada pelas reações às falas racistas do ex-piloto Nelson Piquet sobre o heptacampeão Lewis Hamilton. Por isso convoquei meu amigo Luiz Teixeira, repórter dos canais Globo, apaixonado por Fórmula 1 e negro, para escrever sobre o tema e a importância do piloto da Mercedes para a representatividade negra no mundo atual. De quebra, ele dá uma aula sobre o uso do termo “neguinho” e seu significado no contexto.
Na letra da música “Bang!”, o rapper Emicida usa uma frase semelhante a do título desse texto para enfatizar que ele não é o “neguinho”. Simplesmente por ter uma pele escura, Leandro Roque de Oliveira foi tratado, por muitos anos, da forma mais racista e pejorativa possível. Como resposta, o complemento da afirmação na canção daquele que veio pra ser “moleque monstrão”, traduzindo para a gíria popular e contemporânea: “o cara!”.
No filme “Cidade de Deus”, o ator Leandro Firmino usou outra afirmação, que também lembra muito a usada no título, para enfatizar que não era mais o “Dadinho”, mas sim o “Zé Pequeno, p…”, o dono do morro, o dono do mundo. Você, homem negro que leu esse título, certamente já foi chamado de neguinho. Assim como “neguinha” é a forma como muitas mulheres negras que também vieram até esse espaço já foram ou ainda são chamadas diariamente.
Vou usar um pouco da filosofia africana pra me aprofundar no tema em questão. Dentro dela, existe a concepção do “Ma’at”, que, resumidamente, é “aquilo que é certo”, “que remete a verdade”, algo como a ética para nós aqui no Brasil. E Lewis Hamilton, ao tomar conhecimento do “neguinho”, usou do “Ma’at”, mesmo que indiretamente ou sem saber, para afirmar que aquilo que estavam fazendo com ele era “mais do que linguagem”. Isso se deve ao fato do racismo nos transformar em um “não ser” a partir da visão do racista.
Por mais famoso, capacitado, talentoso ou importante que você seja, ser negro, no olhar do racista, é ser inferior. A ignorância é o cimento do racismo. Serve exatamente para solidificar o preconceito e a discriminação baseado nas percepções sociais e diferenças biológicas entre os povos.
Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e alvo a minha vida toda. Houve muito tempo para aprender. Chegou a hora da ação – escreveu o heptacampeão da F1.
Segundo Salloma Salomao, professor, músico e pesquisador de Culturas Negras, Afrodiaspóricas e História da África, enquanto o racismo não for combatido por quem o sofre, ele vai continuar existindo. Uma vez que a história nos mostra que o passado tem poder e que pensar o futuro esquecendo o passado é um plano bem arquitetado por quem quer que a tragédia de outrora seja esquecida ou relevada. Ou seja, a derrota de hoje é fruto do processo do passado.
No entanto, cobrar voz e posicionamento só de quem sofre é pedir para não acabar com um problema que não foi criado por quem está sofrendo.
Voltando a filosofia africana, “o certo”, que acompanha a concepção do “Ma’at” desde os tempos do Egito pré-dinástico, nos foi escondido durante anos. Por isso, por várias décadas em nosso país, nós, homens negros, normatizamos os “neguinhos” que ouvimos dos seguranças, dos policiais, nos mercados, praias, shoppings e baladas. Assim como nos “ensinaram” ser normal relativizar o racismo.
Mas não, não é normal usar o termo “neguinho” para se dirigir a uma pessoa negra, principalmente quando não se tem grau de intimidade ou, no caso que ficou famoso e que explicitou o racismo, quando se usa o nome de todos os outros pilotos envolvidos, menos o nome do piloto negro.
Sobre o uso do “neguinho”, o diminutivo não é à toa. Ele serve exatamente para tentar apontar algo como menor, assim como é intencional apontar diretamente que aquele é “diferente” pela cor da pele e que “só tem ele ali” no meio de outros e de um espaço que, na visão de quem acusa, não o pertence.
Hamilton ser chamado de “neguinho” fez com que outra discussão viesse à tona: “Mas e o Neguinho da Beija-Flor?”. Vamos lá. Luiz Antônio Feliciano Marcondes era conhecido como “Neguinho da Vala” desde os tempos de criança, quando morava em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Tal “apelido”, pejorativo e racista, foi dado a ele por conta das companhias que o cercavam no ambiente hostil em que ele cresceu. No entanto, como o samba e o carnaval o tiraram da marginalidade, graças ao seu talento, o Beija-Flor foi introduzido naquele que, futuramente, seria o seu nome artístico, mas usado para nunca se esquecer de sua origens, não por achar legal ser chamado de “neguinho”.
No caso de Hamilton, chama-lo de “neguinho” é aludir à sua raça, explicitando o racismo, uma vez que o nome dele é Lewis. Além disso, nem a questão afetiva ou de intimidade pode ser relacionada, já que Nelson Piquet não tem intimidade nenhuma com o piloto da Mercedes. Muito pelo contrário, ele faz questão de deixar claro que não gosta do heptacampeão mundial de Fórmula 1.
Ainda falando em Beija-Flor, o samba-enredo do último carnaval da escola carioca, “Empretecer o Pensamento É Ouvir a Voz da Beija-Flor”, diz muito sobre o “neguinho” em uma de suas estrofes. “Tenho a raça que a mordaça não calou” nada mais é do que gritar o nosso orgulho e, através dele, não silenciar nossa voz, mesmo que, em nosso país, ainda nos dias de hoje, sejamos educados a se esquivar, diariamente, do racismo.
Ainda sobre a massa racista que permeia nossa sociedade, ela não aceita que pessoas de origem africanas estejam em lugares de prestigio, poder e mando. Por conta disso, até hoje precisamos nos espelhar em gigantes da história, como Sir Lewis Hamilton, para seguir gritando e lutando para, pelo menos, diminuir as violências que o racismo produz diariamente.

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